O melhor da festa é esperar por ela, diz o provérbio. O melhor do Natal é ter passado por ele, sentem muitos sem dizer. É insuportável a fissura desencadeada pelas festas de fim de ano. O consumo compulsório de produtos, o apetite compulsivo de comilanças, a máscara da alegria estampada no rosto para encobrir o bolso furado, a corrida aos espaços de lazer, as estradas engarrafadas, as filas intermináveis nos supermercados, os sinos de papel envoltos nas fitas vermelhas dos shopping centers, aquela mesma musiquinha marota, tudo satura o espírito. Seria esse anticlima um castigo divino à nossa reverência pagã à figura de Papai Noel? Natal é pouco verso e muito reverso. Em pleno trópico, nosso mimetismo enfeita de neve de algodão a árvore de luzinhas intermitentes. O estômago devora castanhas, nozes, avelãs e amêndoas, quando a saúde pede saladas e legumes. Já que o espírito arde de sede daquela Água Viva do poço de Jacó (João 4), afoga-se o corpo em álcool e gorduras. A gula de Deus busca, em vão, saciar-se no ato de se empanturrar à mesa. Talvez seja no Natal que nossas carências fiquem mais expostas. Damos presentes sem nos dar, recebemos sem acolher, brindamos sem perdoar, abraçamos sem afeto, damos à mercadoria um valor que nem sempre reconhecemos nas pessoas. No íntimo, estamos inclinados à simplicidade da manjedoura. O mal-estar decorre do fato de nos sentirmos mais próximos dos salões de Herodes. (...) Mudemos nós e o Natal. Abaixo Papai Noel, viva o Menino Jesus! Em vez de presentes, presença junto à família, aos que sofrem, aos enfermos, aos soropositivos, aos presos, às famílias das vítimas de crimes, às crianças de rua, aos dependentes de droga, aos deficientes físicos e mentais, aos excluídos. Façamos da ceia cesta a quem padece fome e do abraço laço de solidariedade a quem clama por justiça. Instalemos o presépio no próprio coração e deixemos germinar Aquele que se fez pão e vinho para que todos tenham vida com fartura e alegria. Abandonemos a um canto a árvore morta coberta de lantejoulas e plantemos no fundo da alma uma oração que sacie nossa fome de transcendência. Deixemo-nos, como Maria, engravidar pelo Espírito de Deus. Então, algo de misteriosamente novo haverá de nascer em nossas vidas."
(FREI BETO. Fazer renascer o Natal - Abaixo Papai Noel! Viva o menino Jesus!. Caros Amigos. 20, novembro de 1998.
Frei Beto sempre admirável na sua franqueza cristã, Rose.
ResponderExcluirO espírito do Verdadeiro Natal anda cada vez mais esquecido.
Que ele permaneça vivo em nossos corações.
Um beijo,
Benja