sábado, 14 de fevereiro de 2009

UM POUCO MAIS SOBRE O SILÊNCIO...


(...)
Brinco e trabalho, sonho e me exercito com frases e entrelinhas desde que me recordo: são material de minha profissão, de meu encantamento e de minha perplexidade. Pois o que pode separar também liga, o que deveria significar harmonia pode maltratar.
Como nós humanos, palavras se transformam feito pedras roladas em fundo de rio: o vulgar torna-se belo, o comum cai na lata de lixo dos palavrões de mau gosto, o necessário é esquecido e o raro vem para a mesa como a manteiga e o pão.
Silêncios, por sua vez, promovem contatos amorosos ou erguem barreiras como lanças espetadas. O silêncio pode ser bom de curtir gente, arte ou natureza, ou de fazer descobertas transformadoras em nós mesmos, mas pode ser o silêncio do suicida que queria dizer: venha me socorrer... mas não havia ninguém.
Conheço o silêncio positivo dos casais que não precisam de muitas palavras, porque se entendem pelo olhar, e são felizes simplesmente estando lado a lado. Escutei o silêncio mau das famílias onde não se respeita o outro, dos casais ligados apenas pelo acomodamento; o silêncio humilhante dos locais de trabalho onde a competitividade é cruel; o silêncio perverso da mentira pública, quando culpados enveredam pela trilha da negação do mais-que-evidente e até confessado, que lesou o nosso bolso e nossa dignidade.
Mulheres traídas, homens pouco amados, pais arrogantes e brutais ou eternamente críticos ( também se bate com palavras ), mães amargas ou obsessivamente controladoras, patrões gananciosos, funcionários insatisfeitos... todas as formas de desrespeito expresso ou subliminar tendem a reproduzir atitudes semelhantes. E os conceitos, coração das palavras, vão-se transformando nesse campo de batalha: o dito, o não-dito, o jamais comunicado.
Lançar uma palavra aos quatro ventos, com se entendêssemos do que se trata, não quer dizer que a gente viva segundo ela. A ética, por exemplo, nestes dias , há de estar nos contemplando consternada, pobre senhora: não do Olimpo dos deuses intangíveis, mas nas esquinas da nossa tresloucada humanidade, onde a abandonamos em troca de comportamentos perversos.
Temos dificuldade em lidar com o silêncio: ele ressoa mal no vazio do nosso interior. Embora seja difícil de curtir ( ah, a música ao vivo, a praia com alto-falantes, a ginástica dirigida, os brinquedos comandados, a diversão atordoante em casa, no clube, n o mar....), é nele que nos humanizamos - pela palavra certa, a palavra boa, a palavra respeitosa, mas firme.
O medo de errar muitas vezes nos leva ao erro, e o desejo excessivo de acertar nos rouba a naturalidade: calamos quando seria melhor falar, falamos quando teria sido melhor dizer alguma coisa, qualquer coisa.
Mas nem sempre sabemos a hora, a palavra, a pessoa certa.
Assim como solidão não precisa significar isolamento, silêncio não precisa ser um corte: pode ser nossa melhor maneira de falar, naquele momento, com aquele interlocutor. Aí ele não compreende, e, mais uma vez, somos incomunicáveis.
Calar pode ser um bom exercício para nossa mente aflita de tantas informações, paralisada entre tantas escolhas, dilacerada em transformações vertiginosas como as deste tempo nosso. Pensar sobre nós e nossa vida é um exercício: o que eu realmente desejaria ser, e o que posso fazer? Como chegar perto de mim, eu mesmo, esse que está sempre por ser descoberto?
Pode ser um bom começo ouvir a chuva no telhado, a pessoa amada vindo pelo corredor, e a consciência que fala ao nosso coração - quando ele está atento.
LYA LUFT - "Em Outras Palavras"
( Desconheço o autor da fotografia )

7 comentários:

Beth/Lilás disse...

Esse texto e a Lya Luft são demais!
Aqui em casa, eu e o marido estamos acostumados à tranquilidade, música baixa, às vezes tv sem som e prezamos o silêncio nas noites frias e calmas de Petrópolis, por isso vamos tanto prá lá, fugindo do barulho de vozes, de campainhas de garagens, de festinhas nos plays e agora dos ensaios de escolas de samba que se ouve pelo ar do Rio e Niterói.
O silêncio faz bem a alma, pelo menos é isso que sinto.
bjs cariocas

Cris Animal disse...

Lindo....Grande escolha!
O silêncio fala, cura, acalma...é sempre companhia. Nunca solidão.
beijos
..........Cris Animal

Marilac disse...

Rose,
Lya Luft tem um jeito maravilhoso de nos falar sobre verdades essenciais!
As palavras como precisamos ter cuidado com elas, e tb com os silencios!Nem sempre sei bem o momento de um e de outro, mas reconheço que já melhorei

Calar as vezes é mesmo o melhor caminho, essencial ter tempo para esse exercicio de autoconhecimento.

bjs
uma semana abençoada
com carinho,
Marilac

Irmão Sol, Irmã Lua disse...

Querida “Sorella”,
Bastante elucidativo e interessante o texto.
Gosto do silêncio, não tanto da solidão. Através dele comumente manifesto meu sentimento e, também, busco equilibrar minhas emoções. Diz-se que com ele “só escutamos o essencial”, porém sempre é preciso buscar o bom senso para saber o momento que se deve falar e o que se deve calar.
Carinho sempre,
Benja.

Caroline disse...

Adoro a Lya!! Já li uns 6 livros dela e tô lendo esse!
Me vejo em muitas coisas que ela escreve!!!
Olha, estou com blog novo! É esse! Mas o meu No Mundo da Lua continua...

Bjão!
;***

Rosa Carvalho disse...

Oi Rose espero que vc esteja bem...
Sabe o pior silêncio é aquele que maltrata os nossos corações, que nos deixam magoados, tristes... esses sim doem de verdade, profundamente...inerrável esse sentimento...
O silêncio de um amor não correspondido, que um dia foi um amor tão sublime e com o tempo se desgastou.
Bjs Rosa.

Clecia disse...

Que texto maravilhoso. Não conhecia! Eu gosto do silêncio. Tanto que a melhor hora do dia para mim é à noite quando todos vão dormir. Tá certo que às vezes fico ouvindo música, mas adoro ficar em silêncio. Assim eu reflito e eu tento me encontrar. Bjos e tudo de bom!

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