quarta-feira, 14 de novembro de 2007

VIDA-ATELIÊ (acabamentos e restaurações no barro da gente)

Pouca gente se dá conta
mas estamos preparando
sem pensar e aos poucos,
sem saber e sempre
a nossa máscara da velhice.
Estamos durante a vida,
desde meninos, esculpindo talhe a talhe,
a forma da escultura
na qual teremos resultado.
Estamos preparando a mostra,
o vernissage do nosso rosto definitivo.
(...)
Toda postura do corpo,
toda vivência-curva da coluna,
todo pescoço engessado,
todo medo, todo peito empinado,
toda pélvica e espalhada felicidade
estarão na síntese desse rosto.
(...)
Essa cara-identidade, cujo rascunho valeu
e cujo ensaio valerá,
representará, na eternidade do brilho do olhar,
nossa capacidade de estréia, nossa habilidade em diluir rancores,
em transformar dissabores em aprendizado.
(...)
Noites e dias de um tempo bem passado
também contam na construção do retrato.
Mas, cuidado: fotogênica e triste
a amargura produz vincos fundos,
tatuando-se fácil na estampa de quem não soube
chorar de alegria, nos olhos de quem não soube perdoar
(...)
(Quero para mim uma simpatia generosa
pregada no rosto de minha velhice.
Quero olhos vivos de novidades
que sorriam sempre,
quero rugas de bons e repetidos gestos
de contemplação, indignação,
revolução e contentamento.
Quero no meu rosto o bom retrato falado
de cada vão momento:
(...)
tudo isso o rosto fotografa e eu quero nele essas fotografias.)
Seremos o nosso porta-retrato
e já estamos portando essa tela.
(...)

Pois o que projeta, define e esculpe a face
é o que nos cabe diariamente:
a gestão dos nossos acontecimentos,
a quantidade de natureza que se experimentou,
as doses de buzinas urbanas, os saldos de banco,
sonhos e mugidos atingidos na longa jornada.
(...)

Nosso rosto de velhos
é o nosso último boletim na escola da vida,
e a expressão que tiver, afinal,
será nossa obra de arte,
nossa prova dos nove,
nossa prova real.
Com mais porção disso ou daquilo,
de atenção ou descaso,
será com esse espelho final,
de vitória ou de arraso, que desfilaremos
sob a ilustre iluminação do ocaso.

ELISA LUCINDA - "A Fúria da Beleza"
(Desconheço
a autoria da fotografia)

Um comentário:

Marilac disse...

Rose,
Lindo !!! Elisa Lucinda é sensacional mesmo!
Interessante como ultimamente tenho lido e pensado sobre a maturidade!

Quero amadurecer com sabedoria,e como ela bem diz: "Quero olhos vivos de novidades que sorriam sempre..
bjs

Marilac

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