EXERCÍCIO DE ANO NOVO: viver as coisas simples!

"...entrar pelos jardins e falar com as crianças.

Olhar as flores (...)

Saber que o céu está lá em cima.

(...)

Sair andando à-toa entre as plantas e os animais.

Ver as árvores verdes do jardim. Lembrar das horas mais apagadas.

POR TODA PARTE SENTIR O SEGREDO DAS COISAS VIVAS.

(...)

Olhar, reparar tudo em volta (...)

Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.

Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.

(...)

Lembrar da cidade onde nasceu, com inocência, e rir sozinho.

Rir de coisas passadas. TER SAUDADE DA PUREZA.

(...)

Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.

Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.

Saber que A GENTE TEM AMIGOS DE FATO!

(...)

Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.

Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.

Gostar desse momento.

GOSTAR DESSA EMOÇÃO TÃO CHEIA DE RIQUEZAS ÍNTIMAS.

Pensar nos livros que a gente leu, nas alegrias dos livros lidos.

AGRADECER A DEUS, que a gente ainda não sabe amar direito,

a harmonia que a gente sente, vê e ouve.

A beleza que a gente vê saindo das rosas; a dor saindo das feridas.

Agradecer tanta coisa que a gente não pode acreditar que esteja acontecendo.

Lembrar de certas passagens. Fechar o olhos para ver no tempo.

Lembrar que a gente, afinal de contas,

está vivendo muito bem e é uma criatura até feliz. Ficar admirado.

Descobrir que NÃO NOS FALTA NADA. Dar um suspiro bom de alívio,

olhar com ternura a criação e ver-se pago de tudo."

Texto de MANOEL DE BARROS - "Poesias" (1942)