terça-feira, 25 de março de 2008

PESSOA POR ELE MESMO


"Não encontro dificuldade em definir-me: sou um temperamento feminino com uma inteligência masculina. A minha sensibilidade e os movimentos que dela procedem, e é nisso que consistem o temperamento e a sua expressão, são de mulher. As minhas faculdades de relação - a inteligência e a vontade, que é a inteligência do impulso - são de homem."
"Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas.(...) esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenha sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.
Trata-se, contudo, simplesmente do temperamento dramático elevado ao máximo; escrevendo, em vez de dramas em atos e ação, dramas em almas."
"Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas."
"Sendo nós portugueses, convém saber o que é que somos.
Adaptabilidade, que no mental dá instabilidade, e portanto a diversificação do indivíduo dentro de si. O bom português é várias pessoas. (...) nunca me sinto tão portuguesmente eu como quando me sinto diferente de mim - Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa e quantos mais haja havidos ou por haver."
"Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
Navegar é preciso; viver não é preciso.
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou; viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça."
(FERNANDO PESSOA - fragmentos )

2 comentários:

Irmão Sol, Irmã Lua disse...

Oi Lindinha do coração,
O texto me fez recordar um pensamento de William James, filosofo americano do século XVIII, que diz: "Faça de sua vida algo que sobreviva a própria vida".
Creio que seja bem isso que Pessoa buscou fazer e dizer. Que possamos ao fim da jornada poder olhar para trás e ver que algo de bom ficou e sobreviveu após a nossa partida.
Beijos ternos,
Benja.

Marilac disse...

Oláá Rose,
Fernando Pessoa sempre me causou forte impressão, pela intensidade e variedade da sua obra...
Concordo com Benja, Pessoa buscou fazer algo que sobrevivesse a própria vida, e com certeza conseguiu.

Bjs
Marilac

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