quarta-feira, 30 de julho de 2008

MESMO SEM QUERER...


Estava absorta , lendo "A Força da Ternura", de Leonardo Boff, um livro que traz "pensamentos para um mundo igualitário, solidário, pleno e amoroso".
Enquanto o lia, notei que um grilo, talvez enganado por seus sensores naturais, se postara na parede em frente à cama. Era esguio, de um verde novo e mantinha-se discreto. Olhei-o, com um sentimento de reverência, apurado pelas palavras do escritor, mas decidida, internamente, a encaminhar o bichinho ao jardim mais próximo, pois , se minha gata o visse, certamente não teria a mesma idéia.
Não tenho medo de insetos, posso lhes garantir; fazer isso é, para mim, algo bastante natural e corriqueiro. Assim, ao término da leitura, parti para a empreitada. Sim, porque pegar um grilo saltitante, ainda que seja com a boa intenção de devolvê-lo ao seu habitat, não é uma tarefa simples!
As primeiras tentativas foram infrutíferas. Isso já era previsto. O inseto levava vantagem, suas pernas o favoreciam; além disso, eu não tinha a habilidade de me fixar em paredes!
"Por que não se rende ao meu gesto de cuidado?"- pensava eu enquanto fazia mirabolâncias no seu encalço e tentava, de alguma forma, transmitir-lhe um pouco mais de segurança. "Eu só quero que fique bem!..."
Num dado momento, pareceu se acalmar. Fiz, então, uma abordagem nova e pude finalmente tocar a sua textura áspera. Durou segundos o período de trégua. Obedecendo à sua natureza instintiva, o grilo arremeteu com tal força de minhas mãos, que perdeu uma das pernas. Justamente aquela que, em parceria com a outra, lhe dava impulso para pular e levar movimento e vida aos jardins!...
Uma sensação de impotência, um misto de compaixão e lamento foram crescendo no meu íntimo... Ainda que não o quisesse, ferira o meu visitante noturno! Eu, que só pretendera lhe devolver a liberdade!...
Sem a agilidade anterior, o bichinho me permitiu fazer cuidadosamente aquilo a que me propusera desde o início. Não sem antes estabelecermos uma conexão especial e inesquecível para mim! Confesso-lhes que lhe pedi desculpas e desejei, de todo o coração, que o jardim lhe fosse aconchego pelo tempo necessário. Então, deixei-o partir...
Pode ser estranho, mas aquele incidente produziu em mim uma espécie de epifania que me pôs a pensar sobre algumas coisas...
Uma delas é que, no intuito de fazermos o melhor pelo outro, podemos magoá-lo, torná-lo inapto para vida, desviá-lo de seu percurso natural.
Às vezes, em nosso excesso de zelo e até mesmo de prepotência, escolhemos a abordagem inadequada e provocamos situações dolorosas para aqueles que amamos.
Se não ficarmos atentos, podemos fazer tudo isso...
MESMO SEM QUERER...


( Fotografia de autor desconhecido )

8 comentários:

Irmão Sol, Irmã Lua disse...

Sim "Sorella",
Tenho pensado nisso!
Muitas vezes nos esforçamos, procuramos cercar o outro com todo carinho, desvelo, cuidado e proteção, buscando dar do melhor que temos, achando que estamos fazendo o bem; porém acabamos prejudicando, incomodando, magoando e criando problemas para a vida de quem amamos "mesmo sem querer".
Tenho concluído que precisamos ter humildade também em nossos afetos, procurar entregar mais a Deus, confiando em seu Amor e silenciar o coração. É um processo difícil, mas extremamente necessário, para que se possa respeitar e dar liberdade ao ser amado, mesmo que isso signifique distanciar-se, o coração, porém, estará sempre perto. Sem Respeito e Liberdade o Amor não cresce, antes sufoca e, muitas vezes, destrói.
Um beijo de carinho do irmão,
Benja.

Marilac disse...

Rose,
Que coincidência você tocar nesse assunto, pois também tenho refletido nisso.
Muitas vezes na intenção de ajudar , acabamos magoando mesmo sem querer.
Cada pessoa é um universo e portanto reage de um modo próprio e nem sempre temos o conhecimento de todos os fatos para agir e aconselhar da melhor forma.
Tenho certeza que no caso do seu visitante ele percebeu depois a bondade do seu coração.
Fiquei pensando que algum dos seus amigos e leitores talvez precisasse de modo especial dessas palavras que este pequeno fato lhe inspirou.
E com certeza todos vamos nos beneficiar com mais esta lição de vida!

bjs
com carinho,
Marilac

Mel disse...

Às vezes pecamos pelo zelo exagerado, é verdade... Mas tudo que é feito por amor é perdoado!
Bjs

Ela disse...

Primeiro: Grilo verde aqui na minha terra, é um sinal de SORTE!

Segundo, voc~e consegue fazer de uma casualidade um texto.
E no texto me fazer pensar profundamente , sobre a relação que estabeleço com os que amo muito.

Você é você é ponto.

Beth/Lilás disse...

Nossa, imagino como você ficou triste!
Realmente às vezes não ajudamos quando interrompemos o curso da vida.
beijo carioca

Carol Timm disse...

Rose,

Acredito na intenção do afeto, na vontade de cuidar e no perdão pelos erros que não são cometidos propositadamente.

Esse grilinho com certeza ficou feliz ao ser devolvido ao jardim.

Essa história me fez lembrar uma frase Pessoana: "as coisas não tem sentido, têm existência".

As vezes racionalizamos demais a vida, e o que vale é que fazemos o melhor que podemos da vida.

Uma vez salvei um louva-deus. Porém, outra vez tentei salvar um beija-flor que achei caído no chão e ele morreu na minha mão. Enfim, eu tentei salvá-lo, e isso é que é importante.

Beijos,
Carol

Anônimo disse...

Rose, quantas lições aprendemos quando estamos receptivos à mensagem presente em cada circunstância, não é?
Apreciei muito o seu texto e, especialmente, a sensibilidade do seu coração bondoso.
Um beijo,
Ana

Irmão Sol, Irmã Lua disse...

Querida "Sorella",
Conheci Quintana por seu intermédio e, lendo seus versos,
me encantei com seu jeito simples de olhar e falar das vida.
Carinho,
Benja.

P.S. Adorei os comentários (rs...), deve ter sido o resfriado (rs...).

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