sábado, 5 de fevereiro de 2011

TRECHOS DE UMA ENTREVISTA COM O POETA MANOEL DE BARROS


"P. Como é seu processo de criação?

R. Como quem lava roupa no tanque dando porrada nas palavras. A escuma que restou no ralo vai ser boa para o começo. Depois é ir imitando os camaleões sendo pedra sendo lata sendo lesma. As palavras de nascer adubam-se de nós. Então no meio da coisa pode saltar uma clave ou um rato. Daí a gente tem que trabalhar. O horizonte fica longe que nem se vê. Um horizonte pardo como os curdos. Também faz parte desse processo desarrumar a cartilha. Seduz-me reaprender a errar a língua...

P. Qual é a matéria de sua poesia?

R. Todas as palavras. Lata pedra rosa sapo nuvem - podem ser matéria de poesia. Só que as palavras assim em estado de dicionário, não trazem a poesia ou a anti-poesia nelas, inerentes. O envolvimento emocional do poeta com essas palavras e o tratamento artístico que lhes consiga dar - isso que poderá fazer delas matéria de poesia. Ou não fazer. Mas isso é tão antigo como chover.


P. "Poesia não é para compreender, mas para incorporar".
Pode explicar melhor esse seu verso?


R. Porque é nos sentidos que a poesia tem fonte. Além do mais, esse é um verso, não uma sentença. Poeta não tem compromisso com a verdade, senão que talvez com a verossimilhança. Não há de ser com a razão, mas com a inocência animal que se enfrenta um poema. A lascívia é vermelha, o desejo arde, o perfume excita. Tem que se compreender isso? Poeta não é necessariamente um intelectual; mas é necessariamente um sensual. Pois não é ele que diz eu-te-amo para todas as coisas? E esta desexplicação pode não fazer média com os estatísticos, mas faz com os tontos.

P. A poesia é necessária? Quais as funções da poesia no mundo?

R. A mim me parece que é mais necessária do que nunca a poesia. Para lembrar aos homens o valor das coisas desimportantes, das coisas gratuitas. Vendem-se hoje até vistas para o mar, sapos com esquadrias de alumínio, luar com freio automático, estrelas em alta rotação, laminação de sabiás, etc. Há que ter umas coisas gratuitas pra alimentar os loucos de água e estandarte.
Quanto à funções da poesia... Creio que a principal é a de promover o arejamento das palavras, inventando para elas novos relacionamentos, para que os idiomas não morram a morte da fórmulas, por lugares comuns. Os governos mais sábios deveriam contratar os poetas para esse trabalho de restituir a virgindade a certas palavras ou expressões, que estão morrendo cariadas, corroídas pelo uso em clichês. Só os poetas podem salvar o idioma da esclerose. Além disso, a poesia tem a função de pregar a prática da infância entre os homens. A prática do desnecessário e da cambalhota, desenvolvendo em cada um de nós o senso do lúdico. Se a poesia desaparecesse do mundo, os homens se transformariam em monstros, máquinas robôs."






Entrevista a José Otávio Guizzo
Revista GRIFO,
Campo Grande, MS

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