sábado, 17 de outubro de 2020

 

DEPOIS DA ENTREVISTA

 

           Há pouco, ouvi Clarice. A Lispector. Mistério transbordante em si mesma. Voz intensa a revelar subterrâneos incontáveis.

           A entrevista, marcada por suspiros e pausas, me trouxe incômodo. Algo ali não se expressava inteiramente. Um corte contínuo, talvez uma dor pendurada nos olhos enviesados da escritora, uma timidez afluindo indiferente.

          Em concha, acomodava-se à própria substância, enquanto o entrevistador tentava habilmente recuperá-la no instante. Ela, no entanto, resistia à entrega – o seu único nexo.

         Uma entrevista sempre nos cede algo revelador, uma ponta de véu que se levanta e nos lança perplexos às possibilidades. (Explosão)

          Escutá-la, em seus (des)concertos, trouxe-me a este texto, que construo sob pulsão. Porque há algo, em Clarice, que nos tira da superfície e nos move a mergulhos de sentidos, olhares, vivências.

          As palavras se unem para adiante sugerirem um sentido. Sem cerimônia, dou-lhes passagem.

         Não sei exatamente aonde vou chegar. Nenhuma direção é-me dada de pronto. Tudo é mutável. Nada descubro deste percurso, se não correr riscos – eis uma certeza. Por isto, a página é uma oferenda a confrontar meus medos. Debruço-me nela. Colho seus segredos e os cochicho, em seguida, às entrelinhas que me apoiam.

     Enquanto o texto verte, dou-me conta da construção e seu arcabouço, de seus patamares de relevância. E, ainda assim, sigo ensimesmada, mas constante. 

       Em que momento da entrevista o feitiço foi lançado, que palavras ou silêncios me arremessaram de mim são questões que não desvendo. Nem quero. Apenas sigo pelas mãos de Clarice.       

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